O impacto do diagnóstico da hepatite C na qualidade de vida
É muito importante a forma como os médicos comunicam o diagnóstico da doença.
O diagnóstico da hepatite C afeta mais a qualidade de vida do que a própria doença.
Geralmente, pacientes conscientes da sua doença têm uma qualidade de vida inferior em
relação àqueles que ignoram que estão doentes. Os indivíduos que são informados da sua
infecção pela hepatite C passam a ter uma percepção subjetiva da sua saúde física e
mental sumamente pobre, o que os leva a uma limitação das suas atividades diárias e a
problemas emocionais. Em contraste, aqueles que não ficam sabendo que são portadores
de hepatite C não apresentam mudanças na sua atividade física ou mental.
Um estudo realizado nos Estados Unidos em pacientes, ex-usuários de drogas, com
as seguintes especificações: eram demograficamente iguais e com uma história de risco
similar, tanto bioquimicamente como virologicamente, com historias similares também no
uso de drogas intravenosas, sendo que nenhum paciente tinha se injetado nos últimos 24
meses; estimou-se que a média da data de infecção do grupo retroagia a 26 anos e que
nenhum dos indivíduos tinha uma história de depressão ou qualquer outra doença atual que
pudesse afetar a sua qualidade de vida; todos eles ainda sem sintomas físicos da doença
ou alterações nas transaminases – esses indivíduos foram divididos em dois grupos.
Num destes grupos, as pessoas foram avisadas que estavam contaminadas pela hepatite C, sendo recomendado, como única advertência, que evitassem o uso de bebidas alcoólicas. O outro grupo não foi informado da sua infecção, objetivando-se observar qual seria a reação emocional e psicológica em ambos.
A redução na qualidade de vida foi observada naqueles que ficaram sabendo da sua
contaminação e tiveram afetadas algumas variáveis que medem a saúde emocional e física,
bem como as atividades diárias.
Nos pacientes que não foram informados sobre a sua infecção com a hepatite C, não
foram observadas mudanças no que tange à saúde emocional ou física, e de forma
nenhuma nas suas atividades diárias.
O fato de que o grupo que não fora informado da doença não ter tido modificações na
sua vitalidade e na saúde em geral sugere que os sintomas normalmente mencionados,
como fadiga e cansaço, por pacientes com hepatite C, podem não ser derivados, ao menos
exclusivamente, de um processo fisiológico. Porém, deve-se observar que os pacientes do
estudo não tinham alterações nas transaminases e que não foram feitas biópsias para se
saber o alcance do dano hepático.
Não ficou definido o quanto na redução na qualidade de vida em qualquer dos grupos pode ser atribuída à hepatite C ou quanto pode ser atribuído a perturbações emocionais ou psicológicas, previamente documentadas neste grupo de usuários de drogas injetáveis. O que ficou claro no estudo é que pacientes diagnosticados com a hepatite C mostram uma redução global da sua qualidade de vida quando comparados com indivíduos que ainda não foram diagnosticados.
Recentemente um outro estudo realizado na Austrália, compreendendo pacientes
contaminados há mais de duas décadas, mostra que os pacientes que tiveram
conhecimento da infecção possuem uma qualidade de vida inferior quando comparados
com a media geral da população. Este estudo comparou a saúde geral dos indivíduos, a
vitalidade e o aspecto emocional e psicológico. Estudando indivíduos de forma isolada foi
observada uma diminuição da qualidade de vida quando os mesmos passaram a conhecer
sua condição de infectados.
Os resultados dos estudos evidenciam que uma possível causa do impacto na
qualidade de vida dos pacientes com hepatite C seja a forma como o indivíduo reage a sua
nova condição. É plausível supor que os aspectos adversos sejam maiores do que os da
própria doença. É muito possível que isto esteja relacionado à falta de informação do
paciente em relação à doença e também à forma como ela é comunicada pelo médico. É
provável que um diálogo apropriado por parte do médico ajude a reduzir os efeitos
negativos do diagnóstico.
Alguns médicos, conscientes desta situação e sabendo que é impossível explicar
todo o necessário sobre a doença no curto espaço de uma consulta, principalmente no
serviço público, encaminham os pacientes para os grupos de apoio, onde poderão se
informar sobre os cuidados necessários, as formas de evitar a contaminação de familiares e
amigos e principalmente sobre a evolução da doença.
O paciente, conhecendo os depoimentos de outros contaminados, descobre que não
está só, e ao descobrir que nem todos os contaminados contraem cirrose, mas sim cerca de
25% destes, percebem que, agora que estão sendo tratados e acompanhados, podem
muito bem ficar entre os 75% que poderão ter uma vida normal, com pouco ou nenhum
dano hepático. Daí, são visíveis os resultados na retomada da qualidade de vida e na
eliminação do quadro estressante.
Durante os meses de março e abril de 2003 realizamos uma pesquisa tentando saber
como foi dado o diagnostico, qual a satisfação com as informações, se estas foram corretas,
se foi necessário procurar um outro médico para esclarecer as informações e ainda se o
médico indicou outras fontes de informações sobre a doença.
Em total 331 portadores responderam de forma completa o questionário enviado. Os
resultados foram os seguintes:
AO RECEBER O DIAGNOSTICO VOCÊ ENTENDEU E COMPREENDEU A REAL
SITUAÇÃO DA DOENÇA?
Somente 89 (26,9%) entenderam o diagnostico e 28 (8,5%) compreenderam medianamente
a sua condição. 214 infectados (64,6%) saíram da consulta sem ter compreendido o
diagnóstico informado.
FICOU SATISFEITO COM AS INFORMAÇÕES?
Neste ponto a falta de entendimento foi ainda maior. Somente 69 (20,8%) portadores
ficaram satisfeitos com as informações recebidas ao ser informados do diagnostico, um
número inferior daqueles que entenderam a situação conforme a pergunta anterior. Outros
53 (16,1%) responderam que em certa forma ficaram satisfeitos e 209 (63,1%) deles,
praticamente o mesmo número dos que não entenderam o que foi diagnosticado, não
ficaram satisfeitos.
Podemos observar que alguns do que entenderam a situação não ficaram satisfeitos com as
informações ou a forma como estas foram colocadas.
AS INFORMAÇÕES FORAM CORRETAS?
104 (31,4%) pacientes afirmam que sim e 98 (29,7%) que em certa forma foram corretas, e,
129 (38,9%) receberam informações incorretas.
Pelos depoimentos se observa que a maioria dos pacientes recebeu informações corretas,
porém, a forma de comunicação foi fraca. Entre os depoimentos pode ser visto que em
38,9% dos diagnósticos as informações foram as mais disparatadas possíveis, algumas
verdadeiros absurdos.
FOI NECESSÁRIO PROCURAR OUTRO MÉDICO PARA ESCLARECER AS
INFORMAÇÕES?
258 pacientes (77,9%) procuraram outro médico e somente 73 (22,1%) continuaram seu
atendimento com o mesmo profissional.
FOI INFORMADO DE OUTRAS FONTES DE INFORMAÇÃO, DISPONÍVEIS NA
INTERNET, OU DA EXISTÊNCIA DE GRUPOS DE APOIO?
270 portadores (81,6%) não receberam nenhuma indicação de outras fontes de informação
sobre a doença que estava sendo informada, como a internet ou grupos de apoio. Somente
em 61 casos (18,4%) o paciente recebeu indicações para procurar conhecimento e apoio
externo.
CONCLUSÕES:
Em função dos depoimentos que freqüentemente recebemos, e recomendável que
os médicos tenham o máximo de cuidados ao informar sobre a detecção da hepatite C. É
necessário lembrar que a saúde do paciente não é somente física e que muito tem a ver
com a reação emocional. O que parece um simples diagnóstico pode abalar fortemente a
qualidade de vida do paciente.
O ideal seria que cada hospital de porte médio ou grande tivesse um grupo de apoio
próprio, multidisciplinar, no qual médicos de várias especialidades reuniriam, a cada 60 dias,
durante um sábado, pacientes e familiares, explicando a doença e suas conseqüências,
informando como lidar com as diversas situações e como se comportar. Deste tipo de
reunião devem participar nutricionistas, psicólogos, assistentes sociais, professores de
educação física, enfermeiros, farmacêuticos, enfim, todas as especialidades de alguma
forma envolvidas com o paciente de hepatite C.
Durante a reunião, portadores e familiares ficariam sabendo como atuar, como
manter um regime alimentar correto a fim de alcançar o peso ideal, como elaborar um
programa de exercícios e, principalmente, sairiam estimulados a se engajarem plenamente
no seu tratamento. Com uma iniciativa como essa, sem dúvida, o hospital obteria um índice
de sucesso bastante superior no tratamento.
Carlos Varaldo: www.hepato.com