Tratamento da Ascite na Cirrose Hepática
Ascite em portador de hepatopatia crônica e hipertensão portal é uma das mais comuns formas de apresentação da cirrose hepática.
Pacientes que apresentam ascite pela primeira vez, como consequência de descompensação hepática, devem ser tratados exclusivamente com restrição salina e repouso, principalmente se a excreção urinária de sódio estiver acima de 80 mEq/dia, com regressão do quadro na grande maioria dos casos. A dieta assódica é preparada sem adição de sal e com exclusão de alimentos ricos em sódio (enlatados, conservas, refrigerantes, massas).
A quantidade de sódio total da dieta deve estar entre 20 e 40 mEq/dia. Permite-se adição de 2 g de sal de cozinha ao alimento (contém 80 mEq de sódio), após a preparação.
A introdução de diuréticos deve ser feita somente após esta tentativa ou em pacientes hipoexcretores de sódio (inferior a 40 mEq/dia). É importante que antes da administração do diurético‚ o médico se certifique que a albumina plasmática seja igual ou superior a 3,0 g/l e que o paciente não esteja desidratado.
O paciente muitas vezes deixa de urinar em consequência de desidratação ou de hipoalbuminemia (volume intravascular efetivo diminuído) e o diurético irá piorar ainda mais este quadro. Quando indicado o uso de diuréticos, a primeira escolha deve recair sobre os poupadores de potássio (espironolactona) em doses iniciais de 50 a 100 mg, que podem ser aumentadas progressivamente, de acordo com a resposta do paciente.
Esses diuréticos necessitam de, pelo menos, 48 horas para ter ação ótima e são acompanhados de baixa toxicidade, especialmente no que se refere ao desencadeamento de encefalopatia hepática. Seu efeito colateral mais importante é aparecimento de ginecomastia, que pode ser dolorosa e plasticamente incômoda.
A avaliação da resposta ao diurético poupador de potássio deve ser feita ao final de três a cinco dias, através da redução de peso, da circunferência abdominal e, se possível, pela excreção urinária de sódio. Pacientes que respondem ao diurético deverão perder em torno de 250 a 500 g de peso diário e aumentar a excreção de sódio urinário, ultrapassando a estimativa da ingestão diária.
Pacientes apresentando edema periférico toleram maior perda de peso, sem prejuízo da função renal. Ao contrário, perda de peso superior a indicada em pacientes sem edema, implica em redução imediata da dose de diurético. Quando não houver resposta, a dose diurética dever ser dobrada. A partir dessa fase passa a ser muito importante o controle dos níveis séricos de potássio, desde que hiperpotassemia possa ocorrer. A dose de espironolactona pode atingir 400 ou 600 mg/dia, o que dificilmente é empregado na prática. Quando, a despeito do aumento da dose dos poupadores de potássio, a excreção de sódio urinário não se eleva significativamente, devemos associar diuréticos de alça, desde que pouco sódio deva estar sendo oferecido às porções distais do glomérulo, pela sua excessiva absorção proximal.
Dentre os diuréticos de alça, o furosemide tem sido o mais empregado, devendo-se iniciar com 20 a 40 mg/dia, podendo-se atingir até 160 mg/dia. O emprego desse tipo de medicamento está associado a maior risco de desenvolvimento de encefalopatia e que, a despeito da preferência do paciente pela potência desse diurético, deve ser mantido na menor dose possível. Durante o período de utilização de diuréticos, os eletrólitos e as concentrações séricas de uréia, creatinina e albumina devem ser rotineiramente checadas. É comum que no afã de eliminar a ascite, doses indevidas de diuréticos acabem causando retração do intravascular com consequente indução de insuficiência renal. Observamos que 28% dos pacientes cirróticos em uso de diurético e com níveis de uréia e creatinina normais no plasma já apresentavam importante redução dos valores de depuração da creatinina (inferiores a 60 ml/min). Com frequência são pacientes com hipoalbuminemia ou com retração do volume intravascular e que respondem rapidamente à administração de colóide ou à retirada do diurético.
Naqueles casos em que a administração de doses mais elevadas de diurético são acompanhadas do desencadeamento de encefalopatia ou tendência à retenção nitrogenada, temos indicado a paracentese evacuadora, com a retirada de quatro a seis litros por punção, sempre com a administração concomitante de albumina humana (30g/l de ascite drenada) ou plasma humano (200 ml/l), para evitar alterações hemodinâmicas com graves repercussões clínicas. Alguns preconizam a retirada total do líquido de ascite de uma só vez.
A restrição hídrica só deve ser implementada nos pacientes com níveis de sódio plasmático inferiores a 130 mEq/l, indicativos de excessiva reabsorção tubular de água livre, quando a ingestão hídrica deve ser reduzida para algo em torno de 800 ml/dia.
O emprego da válvula de Lee Veen (derivação peritônio-venosa, comunicando a cavidade peritoneal com a veia cava superior, através de cateter no tecido celular subcutâneo) tem sido abandonada desde a liberalização da paracentese evacuadora e o advento do transplante hepático, e principalmente em decorrência das graves complicações hemorrágicas, infecciosas e obstrutivas.
Atualmente no tratamento paliativo da ascite, opta-se pelo TIPS- Shunt Trans-jugular Intrahepatico.( descrição em outro capitulo).
Cerca de 10% dos pacientes cirróticos com ascite admitidos em enfermaria apresentam infecção primária do líquido de ascite (peritonite bacteriana espontânea-PBE), geralmente por bacilos gram-negativos, originários do tubo digestivo e que, através da circulação colateral, escapam do filtro hepático e se assestam na cavidade peritoneal em pacientes com baixos níveis de complemento e de proteína no líquido de ascite.
Habitualmente, PBE é isenta dos sinais clássicos de irritação peritoneal, sendo diagnosticada em pacientes que apresentam descompensação hepática ou estado febril de origem indeterminada.
O diagnóstico repousa no encontro de número aumentado de leucócitos polimorfonucleares na ascite (superior a 500 células/por mm3) ou cultura positiva. O tratamento deve ser instituído precocemente e a medicação de escolha dever ser uma cefalosporina de 3a geração.
Desde que o risco de recorrência da PBE é de até 70% dos casos em um ano, tem sido proposto esquema profilático com o uso de quinolonas que, apesar de reduzir os episódios de PBE, não parece alterar a mortalidade dela decorrente.
A síndrome hepatorrenal ou nefropatia hepática é insuficiência renal funcional (não há lesão morfológica), ocasionada por redução do fluxo sanguíneo para os rins e inversão do fluxo córtico-medular. O diagnóstico deve ser suspeitado em paciente evoluindo com azotemia progressiva e oligúria, com função tubular preservada (sódio urinário inferior a 10 mEq/dia, relação da creatinina urinária em relação à plasmática <40 e osmolaridade urinária elevada). O diagnóstico diferencial com a insuficiência pré-renal é feito pela expansão do intravascular que não é capaz de restabelecer a função na síndrome hepatorrenal.
A síndrome hepatorrenal é indicação formal de transplante de fígado.