Atualizações na Cirrose
Cirrose hepática
Cirrose é doença decorrente de destruição crônica do fígado, levando à formação de nódulos de regeneração e fibrose, com conseqüente desorganização da arquitetura lobular e vascular do órgão.
Etiologia
Podemos agrupar os principais agentes etiológicos causadores das cirroses em:
1. Metabólicos: decorrentes de erros congênitos do metabolismo e que acometem, preferencialmente, crianças ou adultos jovens, como galactosemia, tirosinemia, doença de wilson, hemocromatose, deficiência de alfa-l-antitripsina e outras;
2. Virais: ocasionadas pelos vírus b (associado ou não ao vírus d) e c da hepatite;
3. Alcóolico: principal agente etiológico entre os pacientes adultos, ocorrendo após período médio de cinco a dez anos de ingestão diária de quantidade superior a 80 g de etanol;
4. Induzido por fármacos: como metotrexate, isoniazida, oxifenisatina e alfa-metildopa, entre outras;
5. Autoimune: consequente à evolução da hepatite auto-imune, caracteristicamente afetando mulheres em idade jovem ou na pós-menopausa;
6. Biliares: enquanto a cirrose biliar primária representa uma entidade clínica definida e isolada, a cirrose biliar secundária é o processo final de patologias crônicas obstrutivas ou inflamatórias (colangites) das vias biliares;
7. Criptogênicas: a despeito dos avanços registrados no diagnóstico etiológico, cerca de 10% a 20% das cirroses permanecem com a etiologia indeterminada.
Diagnóstico e tratamento etiológico das cirroses
O diagnóstico de cirrose hepática é, antes de tudo, histológico. Os novos métodos imunoistoquímicos podem trazer subsídios para o diagnóstico etiológico e os dados evolutivos orientam o tratamento. Entretanto muitos pacientes apresentam alterações da coagulação sanguínea, sinais de hipertensão portal e de insuficiência hepatocelular que contra-indicam o procedimento pelo risco de sangramento, especialmente quando a atividade de protrombina for menor que 50% e as plaquetas inferiores a 100.000/mm3.
Entre as causas metabólicas, a doença de wilson ocorre em adulto jovem, com história familiar de hepatopatia. O diagnóstico é feito pela dosagem da ceruloplasmina sérica, da excreção urinária de cobre e o exame com lâmpada de fenda para a detecção do anel de kayser-fleischer. O tratamento dessa doença é feito com a d-penicilamina.
O conjunto de escurecimento da pele, diabetes mellitus, insuficiência cardíaca e cirrose hepática deve sempre remeter à possibilidade de hemocromatose, que pode ser confirmada pelos níveis de ferro sérico e de ferritina e pela biópsia hepática. A remoção do excesso de ferro tecidual pode ser por flebotomias de repetição ou uso de quelantes.
A deficiência de alfa-1-antitripsina (aat) pode ser sugerida pela eletroforese de proteínas (diminuição significativa da alfa-1-globulina) e confirmada pela dosagem sanguínea da aat ou pela histologia. Não há terapêutica especifica disponível.
Entre as causas virais, o diagnóstico dever ser feito através da pesquisa dos marcadores sorológicos. Nesses casos a pesquisa de marcadores virais e a análise histopatológica do tecido podem ser cruciais para a decisão terapêutica a ser seguida. Pacientes com a nutrição do paciente cirrótico
Levando-se em consideração que esses pacientes tendem ser hipercatabólicos e desnutridos, os cirróticos devem receber suprimento calórico-protéico adequado. A despeito de todo conhecimento acumulado nos últimos anos, ainda é comum recebermos pacientes colocados em dietas restritas, mesmo em fases incipientes da doença. Em nosso ambulatório, 50% dos pacientes atendidos pela primeira vez já apresentam grau moderado a grave de desnutrição protéico-calórica. Devemos enfatizar que não existem motivos para restrição de proteínas até que surjam sinais de encefalopatia. Mesmo nessas ocasiões, pacientes com encefalopatia graus i ou ii respondem bem à administração de dieta sem proteína animal, mas com até 1,5 g de proteína vegetal/kg de peso ideal (rica em aminoácidos de cadeia ramificada). Por outro lado mesmo pacientes colestáticos estão aptos a ingerir gordura em sua dieta, para que não se agrave ainda mais seu déficit nutricional. Nesses pacientes, a utilização de dieta com maior conteúdo de triglicérides de cadeia média pode ser alcançada com emprego da banha de coco no preparo dos alimentos. Outro fator agravante do estado nutricional tem sido a manutenção de dieta hipossódica rigorosa em pacientes com ascite em detrimento de seu estado geral. Em nossa experiência, a recuperação nutricional desses pacientes torna mais fácil o manejo clínico, inclusive possibilitando reduzir a dose de diuréticos.
É sempre bom lembrar o papel da nutrição nas infecções, especialmente neste grupo de pacientes: quase 50% já apresenta algum tipo de infecção bacteriana quando da hospitalização.
Tratamento das complicações da cirrose
Hemorragia por varizes
Corresponde a mais comum complicação da hipertensão portal e uma das principais causas de óbito entre portadores de hepatopatia crônica. Os episódios hemorrágicos tendem ser graves, com manifestações clínicas importantes, requerendo grandes volumes de reposição de sangue e derivados. A despeito do fato destes pacientes representarem uma população heterogênea, com diferentes riscos de sangramento e de sobrevida, a letalidade média está em torno de 30%, com índice de recidiva ao redor de 50% em seis meses. Embora o volume do sangramento seja um dado importante, o principal fator determinante da letalidade é, sem dúvida, o grau de insuficiência hepatocelular (em torno de 70% no child c contra menos de 15% no child a). Vários autores tentaram definir características capazes de identificar pacientes com maior risco de sangramento. Os melhores indicadores prognósticos de tal risco são: pressão portal superior a 12 mmhg, calibre das varizes, presença de manchas vermelhas ("red signs"); telangectasias, "cherry spots" (avermelhamento da parede das varizes); e o grau de disfunção hepática, avaliado, por exemplo, pela classificação de child-pugh.
A terapêutica da hipertensão portal, no que diz respeito ao tratamento da hemorragia digestiva aguda (hda) pelas varizes esôfago-gástricas, pode ser dividido em fase aguda, prevenção de novos episódios a longo prazo e profilaxia do sangramento.
Na fase aguda o diagnóstico topográfico da hda deve ser realizado através da endoscopia digestiva alta, pois os pacientes portadores de hipertensão portal com razoável frequência apresentam sangramento secundário a patologias pépticas (gastrite erosiva, úlceras pépticas, síndrome de mallory-weiss). A endoscopia deve ser realizada o mais precocemente possível (nas primeiras 24 horas do sangramento) para que o diagnóstico possa ser estabelecido com segurança.
Os cuidados iniciais devem priorizar a manutenção de ventilação e hemodinâmica adequadas ao paciente. Quanto à terapêutica específica para a ruptura das varizes, a escleroterapia endoscópica (esc) é o método de escolha. Consiste na injeção de substâncias esclerosantes no endotélio vascular, com o intuito de promover trombose das varizes e provocar inflamação e fibrose da mucosa esofágica, que aumenta a espessura da parede das varizes e diminui o risco de sangramento. Isso tem índice de sucesso (parada do sangramento) que varia de 85% a 100%. As complicações incluem úlceras de esôfago (80%), sangramento, perfuração e estenose de esôfago, derrame pleural, trombose de veia porta, bacteremia, dor no peito e distúrbios motores do esôfago. O esc de varizes de fundo gástrico e cárdia é mais difícil do que o das varizes esofágicas, devido à dificuldade de acesso. Aconselha-se, nestes casos, o uso de cianoacrilato (substância gelatinosa que endurece em contato com o meio, transformando-se em material plástico), que oclui a luz do vaso imediatamente. A ligadura endoscópica das varizes de esôfago foi desenvolvida com o intuito de diminuir a incidência de complicações encontradas com a esc. Os trabalhos iniciais indicam que ela é tão eficaz quanto a esc e que a taxa de complicações é menor.
No tratamento farmacológico se pode utilizar vasopressina associada ou não à nitroglicerina. Esta associação diminui os efeitos colaterais da vasopressina e potencializa sua ação sobre o sistema porta. Outra opção farmacológica é a somatostina que diminui o fluxo sanguíneo esplâncnico. Após dose de 250 mg, em bolo, procede-se à infusão contínua de 3 a 6 mg/24 h. Alterações plaquetárias, náuseas, hiperglicemia, vertigem e elevação da pressão arterial são os efeitos colaterais mais comuns.
Outro recurso é tamponamento mecânico com o balão de sangstaken-blackmore, para as varizes esofágicas ou balão de linton, para as gástricas. Esta modalidade terapêutica menos empregada é muitas vezes a única disponível. O balão é mantido insuflado por oito horas, quando somente o esofágico deve ser desinsuflado por 15 minutos, para permitir melhor perfusão da mucosa esofágica; o tempo total de permanência do balão deve ser de 24 a 48 horas. O tamponamento com balões' eficaz em até 90% dos casos, porém, ocorre ressangramento em 50% e complicações graves em 20% (ruptura de esôfago, pneumonia por aspiração, obstrução de vias aéreas), que são fatais em 8% a 12% dos casos. Recentemente seu uso foi reavaliado e se concluiu que, se precauções forem tomadas (especialmente intubação orotraqueal preventiva nos pacientes com encefalopatia avançada), o procedimento será efetuado com mais segurança.
Em caso de falha ou indisponibilidade dos tratamentos anteriores, recorre-se à cirurgia, que deve ser ao mesmo tempo eficiente para coibir o sangramento e menos agressiva possível, tendo em vista a gravidade deste tipo de paciente (distúrbios de coagulação, comprometimento hemodinâmico, encefalopatia hepática etc.). Cirurgiões experimentados têm preferido a desconexão ázigo-portal associada à esplenectomia, embora vários outros procedimentos possam ser realizados, especialmente na dependência do adestramento da equipe cirúrgica. O índice de parada do sangramento costuma ser satisfatório, mas a mortalidade perioperatória é elevada.
Um método alternativo para coibir o sangramento dos pacientes com had por hipertensão portal é o 'shunt' portossistêmico intra-hepático (tips - "transjugular intrahepatic portacaval shunt'), que consiste na colocação de uma prótese metálica auto-expansível comunicando ramo da veia porta com ramo da veia hepática, aliviando assim a pressão no território portal. Esse procedimento aguarda melhor avaliação e, no momento, tem tido indicação preferencial para pacientes com sangramentos de repetição que estão aguardando transplante hepático. As principais complicações deste procedimento incluem hemorragias (intra-abdominal, biliar e na cápsula hepática), estenose ou oclusão da prótese e piora da encefalopatia.
Outra situação em que podemos ter hda em consequência da hipertensão portal é a gastropatia hipertensiva ou congestiva, lesão responsável por 20% dos casos de hemorragia neste grupo de pacientes. O sangramento é geralmente difuso por toda a mucosa gástrica ("em lençol"). No tratamento desta situação se tem empregado beta-bloqueadores (mesmo na fase aguda, com controle hemodinâmico rigoroso), drogas vasodilatadoras e, nos casos graves, tips ou cirurgia.
Uma vez controlado o episódio agudo, é necessário estabelecer tratamento para a erradicação das varizes, já que o primeiro episódio de sangramento é um marco na história natural da hipertensão portal, associa-se a aumento na mortalidade. Para os pacientes com hipertensão portal, que já tenham tido pelo menos um episódio de hda,
Dispõem-se de três alternativas terapêuticas:
1. Tratamento endoscópico: através da esclerose ou da ligadura das varizes, realizadas de maneira eletiva, objetivando erradicar as varizes. Considerada até recentemente como medida que poderia modificar a mortalidade, passou a ser contestada por alguns estudos que demonstram não haver diferenças na sobrevida de pacientes com ou sem erradicação das varizes. Apenas pacientes child a parecem apresentar sobrevida maior quando submetidos a bsc, com relação àqueles com tratamento expectante. Enquanto dados mais conclusivos não são apresentados, ainda temos encaminhado para a esc os pacientes com hda prévia para a erradicação das varizes;
2. Tratamento farmacológico: desde a década de 70 tem sido proposto o tratamento preventivo para recidiva de hda com propranolol. Os trabalhos na literatura são numerosos e conflitantes a este respeito. Em recente metanálise, constatou-se que esta modalidade terapêutica é eficiente para prevenir recidivas de sangramento, embora não seja capaz, assim como as outras alternativas, de melhorar a sobrevida. O mecanismo de ação da droga é a diminuição do débito cardíaco, com consequente diminuição do fluxo esplâncnico. A dose empregada deve ser aquela que diminua em 25% a frequência cardíaca de repouso ou 10% da pressão diastólica, variando em média entre 40 e 160 mg por dia, divididos em duas tomadas. Deve-se ainda respeitar as contra-indicações absolutas e relativas ao uso desse agente, como diabetes mellitus, dpoc etc.;
3. Tratamento cirúrgico: o sucesso da técnica parece estar associado ao estado funcional que o paciente apresente na época da indicação cirúrgica, sendo melhor nos cirróticos classificados como child a ou nos esquistossomóticos compensados. As técnicas mais usadas em nosso meio são a anastomose espleno-renal distal, a desconexão ázigo-portal associada à esplenectomia e a anastomose portocava ou mesentérico-cava.
Encefalopatia hepática
a encefalopatia hepática consiste em alterações neuro-psíquicas de origem metabólica e potencialmente reversíveis, que traduzem agravamento funcional do fígado. A encefalopatia hepática costuma ser classificada em quatro estágios principais, como esquematizado na tabela 1.
Na encefalopatia hepática temos progressiva lentificação da atividade neuronal. Nos últimos anos várias teorias procuraram explicar esse processo: deficiência de substâncias neuroestimuladoras (uréia, falsos neurotransmissores); excesso de substâncias depressoras da atividade cerebral (teoria do gaba). No entanto, nenhuma delas isoladamente conseguiu explicar satisfatoriamente a gênese da encefalopatia.
Tratamento
na maior parte das vezes, fator infeccioso, hemorragia digestiva ou desequilíbrio hidroeletrolítico ou ácido-básico, é desencadeante da encefalopatia e sua correção pode ser suficiente para o tratamento. Sedativos, ingestão protéica excessiva e obstipação intestinal são outros fatores desencadeantes.
Uma vez instalada a encefalopatia, a dieta deve ser imediatamente modificada. Nos casos brandos de encefalopatia se reduz a ingestão de proteína animal (geralmente para 20 g/d), optando-se por carne branca (peixes e aves). Nos casos mais graves ou rebeldes, suspende-se completamente a ingestão de proteína animal (carne, ovos, leite e derivados), substituindo-as por proteína vegetal (rica em aminoácidos ramificados). Nos pacientes em coma se administra de glicose hipertônica (10% a 50%), sabendo-se que é comum haver intolerância à glicose (pode ser necessária insulina). O emprego de solução intravenosa de aminoácidos ramificados está indicado nos pacientes com intenso catabolismo ou quando se prevê prolongada recuperação.
Desde que a absorção intestinal de compostos nitrogenados esteja diretamente relacionada ao aparecimento ou agravamento da encefalopatia hepática, medidas visando o bloqueio de absorção ou modificação da flora intestinal estão indicadas ao lado da restrição protéica. Lavagem intestinal com neomicina, lactulose ou lactose ou ainda sulfato de magnésio deve realizada, especialmente nos casos de hemorragia digestiva em pacientes obstipados, cuidando-se para evitar espoliação de água e eletrólitos. O sulfato de neomicina deve ser utilizado na dose de 4 a 6 g/d nos casos agudos. Alternativamente, pode ser empregado o metronidazol na diária de 1,2 a 1,6 g/dia. Tentando-se evitar os efeitos colaterais e toxicidade dos antibióticos (em que pese a baixa toxicidade da neomicina), pode-se empregar dissacarídeos sintéticos' como a lactulose e o lactitol, ou naturais, como a lactose. Dentre os sintéticos, apenas a lactulose é comercializada no país. Estes dissacarídeos devem promover uma diarréia osmótica e, mais importante ainda, a acidificação do conteúdo intestinal, pela fermentação de açúcares não absorvidos. Para calcular a dose a ser empregada se administra de 20 a 40 ml de lactulose ou 15 g de lactose a cada seis horas até que se produzam duas a três evacuações pastosas ou semilíquidas por dia, ajustando-se, então, a dose para manter este efeito.
Mais recentemente, com os conhecimentos advindos do estudo dos receptores gaba e do complexo gaba-benzodiazepínicos, antagonista benzodiazepínico, o flumazenil tem sido empregado no tratamento dos estágios avançados da encefalopatia aguda e crônica (estágios iii e iv). Os poucos estudos controlados com a droga e o elevado custo do medicamento nos fazem sugerir seu emprego apenas nos casos em que as medidas terapêuticas habituais tenham falhado.
Ascite
seu aparecimento produz modificações hemodinâmicas e predispõe a uma série de complicações. Nesta condição não existe simplesmente acúmulo de líquidos na cavidade abdominal: o líquido da ascite se encontra em constante equilíbrio dinâmico com o compartimento intravascular. Acredita-se que a quantidade de líquido capaz de ser mobilizada a partir da ascite não exceda a 900 ml em 24 horas.
Tratamento da ascite na cirrose hepática
ascite em portador de hepatopatia crônica e hipertensão portal é uma das mais comuns formas de apresentação da cirrose hepática. Pacientes que apresentam ascite pela primeira vez, como consequência de descompensação hepática, devem ser tratados exclusivamente com restrição salina e repouso, principalmente se a excreção urinária de sódio estiver acima de 80 meq/dia, com regressão do quadro na grande maioria dos casos. A dieta assódica é preparada sem adição de sal e com exclusão de alimentos ricos em sódio (enlatados, conservas, refrigerantes, massas). A quantidade de sódio total da dieta deve estar entre 20 e 40 meq/dia. Permite-se adição de 2 g de sal de cozinha ao alimento (contém 80 meq de sódio), após a preparação.
A introdução de diuréticos deve ser feita somente após esta tentativa ou em pacientes hipoexcretores de sódio (inferior a 40 meq/dia). É importante que antes da administração do diurético' o médico se certifique que a albumina plasmática seja igual ou superior a 3,0 g/l e que o paciente não esteja desidratado. O paciente muitas vezes deixa de urinar em consequência de desidratação ou de hipoalbuminemia (volume intravascular efetivo diminuído) e o diurético irá piorar ainda mais este quadro. Quando indicado o uso de diuréticos, a primeira escolha deve recair sobre os poupadores de potássio (espironolactona) em doses iniciais de 50 a 100 mg, que podem ser aumentadas progressivamente, de acordo com a resposta do paciente. Esses diuréticos necessitam de, pelo menos, 48 horas para ter ação ótima e são acompanhados de baixa toxicidade, especialmente no que se refere ao desencadeamento de encefalopatia hepática. Seu efeito colateral mais importante é aparecimento de ginecomastia, que pode ser dolorosa e plasticamente incômoda. A avaliação da resposta ao diurético poupador de potássio deve ser feita ao final de três a cinco dias, através da redução de peso, da circunferência abdominal e, se possível, pela excreção urinária de sódio. Pacientes que respondem ao diurético deverão perder em torno de 250 a 500 g de peso diário e aumentar a excreção de sódio urinário, ultrapassando a estimativa da ingestão diária. Pacientes apresentando edema periférico toleram maior perda de peso, sem prejuízo da função renal. Ao contrário, perda de peso superior a indicada em pacientes sem edema, implica em redução imediata da dose de diurético. Quando não houver resposta, a dose diurética dever ser dobrada. A partir dessa fase passa a ser muito importante o controle dos níveis séricos de potássio, desde que hiperpotassemia possa ocorrer. A dose de espironolactona pode atingir 400 ou 600 mg/dia, o que dificilmente é empregado na prática. Quando, a despeito do aumento da dose dos poupadores de potássio, a excreção de sódio urinário não se eleva significativamente, devemos associar diuréticos de alça, desde que pouco sódio deva estar sendo oferecido às porções distais do glomérulo, pela sua excessiva absorção proximal. Dentre os diuréticos de alça, o furosemide tem sido o mais empregado, devendo-se iniciar com 20 a 40 mg/dia, podendo-se atingir até 160 mg/dia. O emprego desse tipo de medicamento está associado a maior risco de desenvolvimento de encefalopatia e que, a despeito da preferência do paciente pela potência desse diurético, deve ser mantido na menor dose possível. Durante o período de utilização de diuréticos, os eletrólitos e as concentrações séricas de uréia, creatinina e albumina devem ser rotineiramente checadas. É comum que no afã de eliminar a ascite, doses indevidas de diuréticos acabem causando retração do intravascular com consequente indução de insuficiência renal. Em nosso serviço, observamos que 28% dos pacientes cirróticos em uso de diurético e com níveis de uréia e creatinina normais no plasma já apresentavam importante redução dos valores de depuração da creatinina (inferiores a 60 ml/min). Com frequência são pacientes com hipoalbuminemia ou com retração do volume intravascular e que respondem rapidamente à administração de colóide ou à retirada do diurético. Naqueles casos em que a administração de doses mais elevadas de diurético são acompanhadas do desencadeamento de encefalopatia ou tendência à retenção nitrogenada, temos indicado a paracentese evacuadora, com a retirada de quatro a seis litros por punção, sempre com a administração concomitante de albumina humana (30g/l de ascite drenada) ou plasma humano (200 ml/l), para evitar alterações hemodinâmicas com graves repercussões clínicas. Alguns preconizam a retirada total do líquido de ascite de uma só vez.
A restrição hídrica só deve ser implementada nos pacientes com níveis de sódio plasmático inferiores a 130 meq/l, indicativos de excessiva reabsorção tubular de água livre, quando a ingestão hídrica deve ser reduzida para algo em torno de 800 ml/dia.
O emprego da válvula de lee veen (derivação peritônio-venosa, comunicando a cavidade peritoneal com a veia cava superior, através de cateter no tecido celular subcutâneo) tem sido abandonada desde a liberalização da paracentese evacuadora e o advento do transplante hepático, e principalmente em decorrência das graves complicações hemorrágicas, infecciosas e obstrutivas.
Cerca de 10% dos pacientes cirróticos com ascite admitidos em enfermaria apresentam infecção primária do líquido de ascite (peritonite bacteriana espontânea-pbe), geralmente por bacilos gram-negativos, originários do tubo digestivo e que, através da circulação colateral, escapam do filtro hepático e se assestam na cavidade peritoneal em pacientes com baixos níveis de complemento e de proteína no líquido de ascite. Habitualmente, pbe é isenta dos sinais clássicos de irritação peritoneal, sendo diagnosticada em pacientes que apresentam descompensação hepática ou estado febril de origem indeterminada. O diagnóstico repousa no encontro de número aumentado de leucócitos polimorfonucleares na ascite (superior a 500 células/por mm3) ou cultura positiva. O tratamento deve ser instituído precocemente e a medicação de escolha dever ser uma cefalosporina de 3a geração. Desde que o risco de recorrência da pbe é de até 70% dos casos em um ano, tem sido proposto esquema profilático com o uso de quinolonas que, apesar de reduzir os episódios de pbe, não parece alterar a mortalidade dela decorrente.
A síndrome hepatorrenal ou nefropatia hepática é insuficiência renal funcional (não há lesão morfológica), ocasionada por redução do fluxo sanguíneo para os rins e inversão do fluxo córtico-medular. O diagnóstico deve ser suspeitado em paciente evoluindo com azotemia progressiva e oligúria, com função tubular preservada (sódio urinário inferior a 10 meq/dia, relação da creatinina urinária em relação à plasmática <40 e osmolaridade urinária elevada). O diagnóstico diferencial com a insuficiência pré-renal é feito pela expansão do intravascular que não é capaz de restabelecer a função na síndrome hepatorrenal. A síndrome hepatorrenal é indicação formal de transplante de fígado. Quando isto não é possível, pode-se tentar válvula de lee veen, com todos os riscos inerentes a este procedimento.
Referências:
Sherlock S. Dooley J. Alcohol and the liver. In: Sherlock S, Dooley J. Editors. Diseases of the liver and biliary system. 11ª ed. Oxford Blackwell Science 2002 p 381-98.
Szwarcwald CL, Viacava F. O Brasil em dados: a Pesquisa Mundial de Saúde.
Diagnóstico & Tratamento 2004; 9:202-3.
Mincis M. Inquérito Nacional sobre doença hepática alcoólica. Apresentado ao XI Congresso Nacional de Hepatologia & Jornada Latino-Americana extra de Hepatologia;1991. Foz do Iguaçu; 3 a 6 de abril de 1991.