Doença inflamatória crônica imunomediada caracterizada por infiltração linfocítica (Linfócitos TCD4) das glândulas exócrinas, particularmente salivares e lacrimais. Os principais sintomas associados são xerostomia e xeroftalmia. Acomete principalmente mulheres brancas no climatério e a prevalência tem grande variação regional, sendo muito prevalente no norte da Europa.(1) Síndrome de Sjögren é classificada na forma primária quando apresenta ceratoconjuntivite e xerostomia com confirmação histológica de infiltração por linfócitos das glândulas salivares (biopsia de glândula salivar). A forma é secundária quando a ceratoconjuntivite e/ou xerostomia estão associadas a doença auto-imune bem definida (artrite reumatóide, LES, esclerose sistêmica e polimiosite).(2) O envolvimento da hepatite C na patogênese da Síndrome de Sjögren primária tem sido aventado com base nas seguintes evidências: o vírus pode ser isolado nas glândulas salivares dos pacientes com hepatite C crônica (RNA VHC +).(3,4) Existe alta prevalência de hepatite C crônica com clínica e biópsia de glândula com aspectos anatomopatológicos compatíveis com Síndrome de Sjögren primária.(3-5) Estudos mostraram que a infecção pelo VHC aparece em um subgrupo de pacientes com Síndrome de Sjögren. Metade destes casos preenche critérios para o diagnóstico da doença de acordo com os critérios Europeu e de Manthorpe.(1,2) Há importante variação regional na prevalência desta patologia.(1,2,6) O grupo de pacientes com hepatite C e síndrome de Sjögren é caracterizado por achado clínico constante de xerostomia, ausência de manifestações extraglandulares e pela ausência de anticorpos Anti-RO, Anti-LA. Essas características tornam a Síndrome de Sjögren associada à infecção pelo VHC uma entidade diferente da Síndrome de Sjögren primária.(2,3) Há evidências de piora ou desenvolvimento de Síndrome de Sjögren após tratamento da hepatite C com Interferon. Apesar disto não há contra-indicação para o uso da medicação.(7,8) A Síndrome de Sjögren é uma doença subdiagnosticada que apresenta associação à infecção pelo VHC. É necessário atenção à sintomatologia da doença, incluindo seus aspectos na anamnese e exame físico. Na suspeita clinica está indicada a realização de auto-anticorpos, em especial anticorpos Anti-RO, Anti-LA, fator reumatóide e crioglobulina. A biopsia de glândula salivar faz parte da propedêutica. O tratamento é apenas sintomático.(7).
5. Hepatite C e síndrome linfoproliferativa (linfoma não-Hodgkin de células B) O vírus da hepatite C tem, além do hepatotrofismo, caráter linfotrófico que é demonstrado pela capacidade de replicação em tecidos linfóides.(9) A prevalência do VHC em pacientes com linfoma não-Hodgkin varia de 0-38% de acordo com a região geográfica. Há alta prevalência na Itália, Japão e EUA e baixa prevalência na França e Inglaterra.(9,10) O PCR mostrou ser o melhor método diagnóstico de hepatite C, principalmente neste grupo de pacientes que apresenta muitas vezes imunossupressão, limitando os resultados da sorologia.(9) O envolvimento do VHC na fisiopatogenia das síndromes linfoproliferativas, em especial do linfoma não-Hodgkin de células B pode ser explicado a partir do linfotropismo do VHC que se traduz na expansão de linfócitos mono ou policlonais responsáveis pela produção de crioglobulinas, estabelecendo a crioglobulinemia essencial mista tipo II. A persistência do VHC no tecido linfóide promove intensa estimulação do sistema linfático com conseqüente aumento da produção de imunoglobulinas. A partir de mutação genética, ocorre expansão monoclonal e desenvolvimento de linfoma não- Hodgkin de células B. O processo expansivo é antígeno dirigido.(10-12). O primeiro alvo da resposta humoral na infecção pelo VHC é a proteína E2 do envelope viral. Os anticorpos Anti-E2 são imunoglobulinas detectadas em 88% dos portadores de hepatite C crônica e 49% dos pacientes com hepatite aguda. Estes anticorpos são relacionados a alta freqüência de mutações gênicas direcionado o processo expansivo.(11-13) A maioria dos trabalhos concorda que não há genótipo do VHC especialmente envolvido com síndrome linfoproliferativa. O genótipo mais associado é o genótipo mais prevalente na área geográfica.(11) Outras síndromes linfoproliferativas são associadas a hepatite C, como leucemia linfocítica crônica, macroglobulinemia de Waldenstrom, mieloma múltiplo, gamopatias monoclonais e linfoma não-Hodgkin de células T.(11) Há importante variação regional na prevalência do VHC também nas doenças linfoproliferativas não ligadas às células B. Maiores estudos deverão ser realizados para estabelecer o papel do VHC nestas síndromes linfoproliferativas.
6. Hepatite C e disfunção da tireóide A relação do VHC com a doença tireoidiana é explicada pela sua alta prevalência em pacientes com tireoideopatias e também pela alta prevalência de anticorpos antitireoidianos em pacientes com hepatite C. Os anticorpos antitireoglobulina, antimicrossomal e antiperoxidase são detectados ao menos em 30% dos portadores de hepatite C.(10,11) O interferon alfa é responsável por precipitar disfunções tireoidianas uma vez que, através do seu papel imunomodulador, estimula a formação de anticorpos antitireoidianos contribuindo para o estabelecimento de tireoideopatias. Esses fenômenos auto-imunes ocorrem principalmente em pacientes com auto-anticorpos previamente positivos.(14-16) Em pacientes com hepatite C não tratados com interferon alfa também existe alta prevalência de doença tireoidiana. O vírus através do seu linfotropismo estimula cronicamente o tecido linfóide que aumenta a síntese de anticorpos levando a processos auto-imunes da tireóide.(14,15) A disfunção tireoidiana acomete mais mulheres de meia-idade cronicamente infectadas pelo VHC. As principais doenças são: hipotireoidismo, muitas vezes subclínico, hipertireoidismo, doença de Hashimoto e doença de Gravis. A prevalência de auto-anticorpos em pacientes com hepatite C é maior quando comparada à população em geral. 70% dos pacientes com hepatite C tem ao menos um dos auto-anticorpos positivo. Em especial, a prevalência é aumentada em relação ao fator reumatóide (38%), anticorpos antinucleares (41%) e anticorpos tireoidianos (13%).(15,16) Os pacientes que apresentam anticorpos antitireoidianos positivos são os mais propensos a desenvolverem disfunção tireoidiana após início da terapia com Interferon Alfa. A função da tireóide (TSH, T4L) deve ser sistematicamente checada antes e durante a terapia com Interferon. No caso de alteração devem ser solicitados anticorpos antitireoidianos antitireoglobulinas, antiperoxidase, antimicrossomal). Durante o tratamento com Interferon, a função tireoidiana deve ser onitorizada a cada quatro semanas. A decisão do uso do Interferon em pacientes com anticorpo antitireoidianos positivo e disfunção da tireóide deve ser feita levando em consideração a severidade da doença hepática, o benefício do tratamento e o alto risco de desenvolvimento de tireoideopatias.(17)
7. Líquen plano Líquen Plano é uma doença mucocutânea benigna que caracteriza-se por lesões papulares violáceas, principalmente nas superfícies flexoras. Pode acometer mucosas oral e genital (lesões reticulares). Não tem etiologia definida. Estão em investigação uma possível causa viral, disfunções imunológicas, alterações neurológicas e stress.(10) A suspeita do envolvimento do VHC na etiologia da doença é explicada pela alta prevalência do HCV em pacientes com Líquen Plano. Há grande variação geográfica na prevalência da doença (4%-38%). O Japão e o sul da Europa destacam-se por alta prevalência, enquanto no norte da França e Alemanha a prevalência é baixa.(13,18) O RNA-VHC foi evidenciado em lesões orais e cutâneas. Também foram detectados linfócitos T nessas lesões, sugerindo que uma resposta imunológica celular específica contra o VHC pode desenvolver o Líquen Plano.(19) Apesar dos relatos de alguns casos de desenvolvimento de Líquen Plano e de piora das lesões preexistentes após a introdução de Interferon, o uso do medicamento não deve ser contra-indicado.(7,10,19) A maioria dos pacientes não apresenta alteração da lesão prévia em virtude do tratamento com Interferon.(20) É necessário o seguimento dermatológico das lesões cutâneas e orais para estabelecer e conduzir o tratamento sintomático.
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