Efeitos do Interferon-alfa na Glândula Tireóide
Os interferons são um grupo das proteínas com atividade antiviral, propriedades reguladoras do crescimento, e uma ampla variedade de atividades imunomoduladoras. Há evidências que o interferon-alfa quando usado no tratamento da hepatite crônica B e C e em determinadas doenças maligna, pode precipitar ou exacerbar doenças endócrinas auto-imunes, especialmente tireoidites auto-imunes.
A tireóide é a glândula mais estudada em relação aos efeitos do interferon-alfa, havendo várias observações mostrando alterações da função tireoidiana e presença de auto-anticorpos durante o tratamento da hepatite C.
Na maior serie estudada, 11.241 pacientes consecutivos com hepatite C foram tratados com interferon-alfa, tendo 71 (0,6%) desenvolvidos desordem tireoidiana sintomática.
Provavelmente esta freqüência foi subestimada, desde que não foi realizada nenhuma avaliação regular da função tireoidiana no estudo. Em contraste, as séries em que a função tireoidiana foi avaliada regularmente nos pacientes durante a terapia com interferon, demonstraram que a disfunção da tireóide apresentava uma prevalência de 4 a 14%, aumentado se fossem incluídos pacientes com anticorpos antitireoidianos.
Desta forma, a ação do interferon-alfa na disfunção tireoidiana poderia ser mais bem avaliada por um estudo controlado randomizado, em que os grupos tratados e não tratados fossem comparados. Estudo mostrando a freqüência de anticorpos antitireoidianos em pacientes tratados com interferon alfa foi de 20%, enquanto de 10% nos pacientes não tratados66. Esta diferença não foi estatisticamente significante, tendo sido concluído que a auto-imunidade na tireóide estava mais relacionada com a hepatite C, independente do tratamento.
Em outro estudo, com a mesma metodologia, foi verificada uma diferença maior, com 16% (9/58) dos pacientes tratados com interferon apresentando auto-anticorpos antitireoidianos quando comparados com 3% (1/28) daqueles que declinaram do tratamento. Embora esses dados sejam inconclusivos, eles sugerem que o interferon pode exacerbar uma auto-imunidade tireoidiana pré-existente.
Os pacientes com maior risco de desenvolverem doença auto-imune tireoidiana durante o tratamento com interferon alfa são as mulheres e aqueles pertencentes à população com fatores de riscos pré-existentes, principalmente fatores genéticos. Outros possíveis fatores de risco são a idade avançada, a descendência orienta, assim como a soropositividade de anticorpos antiperoxidase (TPO) antes do tratamento.
As principais desordens tireoidianas no curso do tratamento com interferon são o hipotireoidismo (a mais comum), hipertireoidismo de Graves e tireoidite com apresentação bifásica. Os pacientes soropositivos para anticorpos anti-TPO antes do tratamento antiviral, tendem a desenvolver ou a exacerbar doença de Graves ou tireoidite de Hashimoto durante o tratamento com interferon, enquanto que aqueles soronegativos tendem a desenvolver tireoidite.
Uma das razões para se pensar que o interferon alfa é uma causa direta da disfunção tireoidiana, reside no fato de que em alguns pacientes a função tireoidiana volta ao normal quando o tratamento antiviral termina. Entretanto, isto não é regra, pois alguns pacientes continuam a necessitar de reposição de hormônio tireoidiano após o fim da terapia.
Em alguns pacientes os anticorpos antitireoidianos diminuem ou desaparecem, enquanto em outros persistem mesmo cessado o uso do interferon58,63,66. Carella e colaboradores acompanharam 114 pacientes tratados para hepatite C com interferon e verificaram que, decorridos 12 meses da terapia, 32% (36/114) apresentavam sorologia antitireoidiana positiva.
No acompanhamento pós-tratamento, média de 6,2 anos, um terço ainda apresentavam anticorpos antitireoidianos, um terço tornaram-se soronegativos, enquanto que o terço restante demonstrou declínio ou remissão. Em 12 pacientes desta série que desenvolveram hipotireoidismo subclínico, todos eram soropositivos para anticorpos antitireoidianos.
Estes dados demonstram a necessidade da avaliação continuada da função tireoidiana após o tratamento com interferon-alfa. O mesmo grupo acima, acompanhou os pacientes que receberam ribavirina além do interferon-alfa, porém os resultados foram similares79. Além da disfunção tireoidiana, foi relatado também que o interferon também induz formação de anticorpos antitiroxina, interferindo na medida do T4 livre.
O interferon também foi utilizado para tratamento da hepatite B e D, e nestes casos a disfunção da tireóide foi menos freqüente do que na hepatite C, embora o número de estudos seja ainda menor. Na hepatite B, a prevalência de anticorpos antes do tratamento foi de 2-4% 81-83. Em função dessa baixa freqüência, a avaliação da função tireoidiana não está indicada nesses pacientes após o término do tratamento com interferon, na ausência de sintomas.
O interferon-alfa foi usado também no tratamento de doenças malignas hematológicas, tumor carcinóide, melanoma metastático e câncer de mama31-33. Nos paciente com tumor carcinóide ou câncer de mama a freqüência de disfunção tireoidiana, principalmente hipertireoidismo, foi de 20-30%, enquanto a tireoidite de Hashimoto apresentou uma freqüência de 50% 84,85. Pacientes com neoplasias hematológicas tratadas com interferon, apresentaram muito baixa freqüência de disfunção da tireoidiana, sendo a causa de tais diferenças ainda desconhecida.
Em indivíduos sadios que usaram interferon-alfa foi verificada uma elevação do hormônio estimulador da tireóide (TSH), redução da triiodotironina (T3) e elevação do T3 reverso. Este quadro laboratorial é semelhante à síndrome do eutireoidiano doente e pode ser mediado pela interleucina.
Outros efeitos do interferon-alfa são o aumento da expressão dos antígenos classe I do complexo maior de histocompatibilidade (HLA-I) com supressão da expressão dos antígenos de histocompatibilidade classe II (HLA-II).
As doenças auto-imunes da tireóide são caracterizadas pelo aumento da expressão dos antígenos de histocompatibilidade classe II 90. Além disso, pesquisas com animais tratados com interferon sugerem que a produção de anticorpos antitireoidianos e expressão dos antígenos do complexo de histocompatibilidade classe I e II são dissociados.