CITOMEGALOVÍRUS
O citomegalovírus (CMV) pertence à família dos herpesvírus, a mesma dos vírus da catapora, do herpes simples e genital ou do herpes zoster. O mais conhecido de todos é o que provoca uma feridinha na boca, que muitos atribuem a uma possivel febre intestinal.
Quando CMV penetra no organismo causa uma série de manifestações clínicas que variam muito de uma pessoa para outra. Às vezes, são doenças que não vão além de um discreto mal-estar e febrícula, sintomas comuns nas gripes e resfriados. Outras vezes, são doenças graves, que comprometem o aparelho digestivo, os pulmões, o sistema nervoso central e a retina.
Nas pessoas saudáveis, a infecção inicial costuma ser assintomática. Algumas, porém, desenvolvem um quadro parecido com o da mononucleose infecciosa. O fato é que, uma vez infectadas, o citomegalovírus nunca mais abandona seus organismos. Fica ali, de forma latente, e qualquer baixa nas condições imunológicas do hospedeiro pode reativar a infecção.
CARACTERÍSTICAS
Quais são as principais características do citomegalovírus?
– O citomegalovírus pertence à família dos herpesvírus e traz consigo uma característica constante em todos eles: quem se infecta, passa a ter o vírus como companheiro definitivo pelo resto da vida. Fica portador de uma infecção crônica em estado de latência.
Na fase aguda da infecção, o citomegalovírus pode provocar algumas manifestações clínicas. Depois, permanece latente, mas, no futuro, pode comportar-se como oportunista, provocando doenças mais sérias e preocupantes, porque sua reativação está diretamente ligada à deficiência imunológica do hospedeiro.
TRANSMISSÃO
Como o CMV é transmitido?
– A transmissão do vírus pode ocorrer por diferentes formas: por via respiratória (tosse, espirro, fala, saliva, secreções brônquicas e da faringe, todas elas servem de veículo para eliminar o vírus e permitem a transmissão entre as pessoas) por transfusão de sangue e por transmissão vertical da mulher grávida para seu concepto intra-útero. A transmissão também pode ocorrer por via sexual e, embora sem grande destaque nesse aspecto, ele se comporta como causador de uma doença sexualmente transmissível.
– Objetos como xícaras, copos, talheres, também podem ser veículos de transmissão do citomegalovírus?
– Com menos freqüência, mas é possível, uma vez que o CMV não se mostra susceptível a ponto de ser destruído pelas condições ambientais.
– Você disse que o citomegalovírus é mais resistente, que sobrevive mais tempo no ambiente e pode ser transmitido pelas secreções brônquicas, pela saliva e por via sexual. Há algum jeito de escapar da infecção causada por esse vírus?
– Creio que não. É quase impossível viver sem ser infectado pelo CMV. Avaliações de pessoas adultas mostram que a maior parte delas, em algum momento, foi infectada pelo citomegalovírus.
SINTOMAS
– Qual é o período de incubação do vírus nos casos em que provoca manifestações clínicas?– O período de incubação não é claro. Pode variar entre muitos dias e algumas poucas semanas.
– Uma vez adquirida, a infecção pode passar despercebida?
– Pode ser inaparente desde o início. Ou seja, ao adquirir o vírus, a pessoa não terá obrigatoriamente a fase aguda de uma enfermidade. Prosseguirá sem sintomas nem manifestação nenhuma de doença e o vírus permanecerá em fase de latência a menos que, no futuro, uma deficiência imunológica do hospedeiro favoreça a oportunidade para sua reativação.
– Se a infecção provocar manifestações clínicas, quais os principais sintomas?
- Na fase aguda, a manifestação clínica da infecção pelo citomegalovírus tem o nome pomposo de citomegalomononucleose, porque os sintomas são semelhantes aos da mononucleose infecciosa: febre, gânglios enfartados, sobretudo no pescoço, comprometimento da garganta, do fígado e do baço, presença de linfócitos atípicos no hemograma.
DIAGNÓSTICO
– Você disse que a mononucleose infecciosa e a toxoplasmose, por exemplo, podem provocar sintomas que se confundem com os da infecção pelo citomegalovírus. Como é feito o diagnóstico diferencial para ter certeza de que se trata desse vírus e não de outro?
– Felizmente, existe um exame laboratorial específico para pesquisar anticorpos contra o citomegalovírus. Os mais comuns pertencem à classe IgG (imunoglobulina G) e IgM (imunoglobulina M). Os anticorpos IgM estão presentes apenas na fase aguda da infecção e os IgG, que aparecem também na fase aguda, persistem por toda a vida da pessoa, constituindo o que se chama de cicatriz sorológica.
– Vamos imaginar que o exame de sangue indique anticorpos IgG fortemente positivos e os IgM, negativos. O que indica esse resultado?
– Ele indica que a fase aguda já foi superada. No entanto, se o tipo IgG for ainda muito alto, pode-se suspeitar - mas nem de longe ter certeza - que a fase aguda não ficou para trás há muito tempo. E mais: presença de IgG positivo e de IgM negativo não permite correlacionar a infecção pelo citomegalovírus com o episódio da doença vigente.
– E quando a pessoa tem IgM positivo e IgG negativo?
– IgM positivo sugere uma fase inicial de infecção agudíssima, porque ele é o primeiro anticorpo produzido, embora seja mal qualificado, mal formado. Já o IgG é o mais eficiente anticorpo de defesa e permanece no organismo da pessoa infectada para sempre.
TRATAMENTO
– Em que consiste o tratamento da primeira infecção pelo citomegalovírus na fase aguda da doença?
– Nessa fase, não se usa antiviral. O tratamento é apenas sintomático e de sustentação. Recomenda-se repouso se a inflamação do fígado for importante e o paciente estiver astênico, cansado. Nada mais do que isso, e espera-se que a doença siga seu curso natural, de resolução espontânea.
- Por que não se usa antiviral na fase aguda?
- Porque a benignidade da doença não justifica o uso de um medicamento potencialmente muito tóxico, aplicado por via intravenosa, que exige internação hospitalar do paciente ou, pelo menos, atendimento do tipo homecare.
– Quando deve ser indicado o uso do antiviral?
- O antiviral fica reservado para as formas graves da doença. Existem dois tipos de antivirais: o Ganciclovir e o Foscanet, este mais tóxico ainda do que o anterior. A grande preocupação é com a toxicidade sobre os glóbulos sangüíneos e os rins que esses medicamentos provocam. Por isso, exigem cuidado na administração intravenosa e acompanhamento clínico criterioso.
– Qual é a duração do tratamento?
– O tratamento deve ser mantido por pelo menos um mês. São aplicações diárias, o que é um complicador, mas a gravidade da doença justifica esse tipo de intervenção.
– Além da AIDS, quais as situações de imunodeficiência em que as reativações da infecção pelo citomegalovírus podem acontecer?
- Pós operatório de transplantes.
– Todas as doenças neoplásicas, seja pelo tratamento imposto, seja pela própria doença, podem precipitar a reativação das infecções pelo citomegalovírus.
HEPATITE POR CITOMEGALOVIRUS
O citomegalovírus (CMV) e o vírus Epstein-Barr (EBV) pertencem às sub-famílias beta e gama dos vírus da herpes. Eles apresentam pouco tropismo, ou seja, não afetam um órgão específico, mas espalham-se pelo corpo através dos leucócitos periféricos após a infecção. Podem causar hepatite como principal manifestação clínica, mas geralmente esta hepatite é assintomática.
Estima-se que 50% da população mundial tenha evidência de infecção recente ou antiga por CMV ou EBV, mais ainda nos pacientes com hepatite. Na grande maioria das hepatites com estes achados, nenhum dos dois vírus é responsável pela hepatite.
O CMV pode ser adquirido em qualquer idade. Entre 0,3 e 2,0% dos bebês apresentam infecção congênita. Pela transmissão por secreções, incluindo leite materno, secreções genitais, saliva e urina, cerca de 40% dos adultos jovens (em países industrializados) já foram infectados, com esta taxa crescendo ao ritmo de 1% ao ano até a 6a. década de vida. Virtualmente todas estas infecções primárias são assintomáticas, com ocasional quadro gripal.
Mesmo desenvolvendo anticorpos, o indivíduo não se torna imune a reativação da doença (nos episódios de redução da imunidade, como na quimioterapia, na AIDS e no transplante hepático) ou a novas infecções. As principais fontes de reinfecção são derivados de sangue e órgãos transplantados. Mesmo em transplantados com sinais de infecção por CMV, a principal fonte é a reativação da doença pelos imunossupressores.
DIAGNÓSTICO
Os sintomas são pouco característicos, geralmente cursando com febre e dores articulares. A presença de trombocitopenia (diminuição de plaquetas) sugere doença mais grave. A utilização da sorologia pode levar a muitos erros diagnósticos. A presença de anticorpos da classe IgM, normalmente positivos em infecções agudas, não podem ser utilizados em pacientes com infecção congênita ou imunossupressão, onde a infecção por CMV é mais crítica. O diagnóstico por detecção do vírus é mais confiável, com diversas técnicas disponíveis. Recomenda-se a utilização de amostras de urina, saliva e sangue (cultura de leucócitos).
Exames |
Interpretação |
Anticorpo IgM |
Anticorpo produzido nas infecções agudas |
Anticorpo IgG |
Anticorpo produzido após a fase aguda e não significa doença nem imunidade contra ela, apenas que a pessoa já teve contato com o vírus ( que pode continuar no organismo ) |
Detecção do vírus |
Diversos métodos são capazes de detectar a presença de vírus, mas só são necessários em imunossuprimidos, aonde é necessário diferenciar uma reativação da infecção de outras doenças |
Na biópsia hepática, a infecção congênita aparece como "hepatite neonatal de células gigantes", sendo que essas células gigantes multinucleadas são uma resposta inespecífica do fígado. O achado característico da hepatite pelo CMV são inclusões grandes e únicas no núcleo das células, chamadas de "olhos de coruja" (Cowdrey tipo A). Elas podem ser encontradas nos hepatócitos e nas células de Kupffer, mas são mais comuns nas células do epitélio biliar. Em pacientes com sistema imunológico comprometido, no entanto, as inclusões são mais comuns nos hepatócitos e a doença é mais agressiva. Foram descritos em diversos estudos fibrose hepática provavelmente secundária à infecção por CMV, que pode portanto ser uma causa de fibrose portal não-cirrótica.
COMPLICAÇÕES
Apesar dos relatos de fibrose hepática na CMV congênita, geralmente os pesquisadores concordam que a hepatite por CMV não se cronifica.
TRATAMENTO
O tratamento mais aceito para a hepatite por CMV é o ganciclovir. No entanto, o desenvolvimento de resistência pelo vírus e a supressão da medula óssea são fatores limitantes comuns no tratamento. Se ocorre resistência, o foscarnet torna-se a opção de tratamento nas hepatites severas, mas também seu uso é limitado, pois é tóxico ao rim. Por esses motivos, só indica-se o tratamento em pessoas com deficiência imunológica, pois nas demais a infecção é auto-limitada. Não se recomenda rotineiramente o tratamento de recém-nascidos com infecção congênita.