Coinfecção VHB e HIV
a) História natural da coinfecção VHB e HIV.
A história natural da infecção pelo vírus da hepatite viral crônica B é alterada pelo HIV. Indivíduos infectados pelo HIV que desenvolvem hepatite aguda pelo VHB têm 5 a 6 vezes mais chance de se tornarem portadores crônicos do VHB quando comparado à pessoas soronegativas para HIV. Em pacientes co-infectados, o HIV aumenta a replicação do VHB, levando a formas mais graves de doença hepática. Uma vez portadores do VHB, tendem a evoluir com menores taxas de soroconversão espontânea do HBeAg/ anti-HBe, HBsAg/anti-HBs e altas taxas de replicação viral.. Formas mais graves de doença hepática também têm sido associadas à síndrome de reconstituição imune após o TARV, ocasionando piora nas provas de função hepática, possivelmente pelo aumento do processo necroinflamatório. Pacientes coinfectados VHB/HIV podem evoluir com “VHB oculto”, caracterizado por carga viral baixa de HBV-DNA e HBsAg não reagente. Desta forma, nesta situação deve ser realizado exame HBV-DNA para elucidação diagnóstica.
A coinfecção VHB/HIV está associada a pior resposta do VHB ao tratamento com interferon-alfa e com aumento de hepatoxicidade com a TARV. Por outro lado, estudo recente demonstrou que o uso de TARV e níveis indetectáveis do HIV estão associados a maior taxa de aparecimento de anticorpos anti-HBe e/ou anti-HBs.
O real impacto da infecção crônica do VHB sobre a evolução do HIV é pouco compreendido, embora essa coinfecção esteja associada à maior mortalidade.
b) Critério de inclusão para o tratamento na coinfecção VHB/HIV
Devem ser incluídos para tratamentos
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Pacientes com evidências de replicação viral (HBeAg reagente e/ou HBVDNA ≥ 104 cópias/ml) e elevações de ALT e/ou AST;
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Pacientes sem evidências de replicação viral, mas com alterações histológicas – fibrose F1 a F4 – ou em pacientes sem fibrose mas com atividade necro-inflamatória ≥ 2 (score Metavir);
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Pacientes com cirrose.
c) Tratamento
Em indivíduos coinfectados com HIV a taxa de resistência do VHB à lamivudina é de cerca de 20% em 2 anos de tratamento, aumentando até 90% no quarto ano de uso, maior portanto, que no VHB isolado. Desta forma a monoterapia com inibidores de transcriptase reversa análogos de nucleosídeo/nucleotídeo em pacientes coinfectados com HIV não deve ser utilizada.
Tenofovir (TDF) e lamivudina (3TC) são antirretrovirais com atividade contra o HIV e o vírus da hepatite viral crônica B, diminuindo o risco de progressão para cirrose e carcinoma hepatocelular 110, 111.
Adicionalmente, deve-se considerar que alguns estudos mais recentes têm proposto benefícios com o início mais precoce da terapia antirretroviral (TARV) em pessoas infectadas pelo HIV e assintomáticas, trazendo no contexto da coinfecção maiores benefícios potenciais do que o tratamento mais tardio. Soma-se a isso a recomendação de evitar o uso de INFα em pacientes que desenvolveram cirrose hepática.
De forma geral, a TARV deve ser estruturada tendo o tenofovir (TDF) e a lamivudina (3TC) como dupla de nucleosídeos (ITRN). Em relação aos inibidores não nucleosídeos da transcriptase reversa (ITRNN), deve se considerar que o efavirenz, é recomendado na terapia inicial de adultos infectados pelo HIVe a nevirapina está associada com hepatite grave em pacientes com contagem de linfócitos T-CD4 mais elevadas (Recomendações para Terapia Antirretroviral em Adultos Infectados pelo HIV 2008). Outra opção é o uso de inibidor da protease potencializado com ritonavir como adjuvante farmacológico (booster). A escolha do tratamento inicial deve ser individualizada considerando as Recomendações para Terapia Antirretroviral em Adultos Infectados pelo HIV 2008.
Para pacientes coinfectados com os vírus B e HIV o tratamento será definido de acordo com a contagem de linfócitos T- CD4+, conforme os algorítmos descritos a seguir.
c.1.1. Coinfectados VHB e HIV, com linfócitos T-CD4+ ³ 500 céls/mm3.
a) Em pacientes HBeAg reagente e assintomáticos em relação a infecção pelo HIV, que apresentam contagem de linfócitos T-CD4+ > 500 céls/mm3, está recomendado o tratamento com INFα e monitoramento da soroconversão HBeAg para anti-HBe. Caso ocorra intolerância ao INFα ou ausência de resposta, deve ser considerado o início precoce da TARV, incluindo TDF e 3TC como dupla de nucleosídeos (ITRN), associado, preferencialmente a um inibidor não nucleosídeo da transcriptase reversa (ITRNN), ou a Inibidores da Protease potencializados com ritonavir (IP/r) conforme as Recomendações para Terapia Antirretroviral em Adultos Infectados pelo HIV 2008.
b) Em pacientes HBeAg não reagente deve-se realizar o HBV-DNA, que diferencia os indivíduos com HBV-DNA< 2.000 UI/ml ou 104 cópias/ml, que serão monitorados com a carga viral, e aqueles com carga viral acima deste nível, que devem ter início mais precoce da TARV, a qual deve incluir o TDF e 3TC como dupla de ITRN e um ITRNN, preferencialmente o efavirenz, ou a Inibidores da Protease potencializados com ritonavir (IP/r).
TABELA 1 – Tratamento em pacientes assintomáticos co-infectados HIV/HBV e contagem de linfócitos T-CD4+ > 500 céls/mm3
Assintomático com LTCD4+ > 500 céls/mm3 |
1ª escolha |
Alternativa |
HBe Ag reagente |
INFα |
TDF + 3TC + ITRNN |
HBe Ag não reagente e HBV-DNA > 2.000 UI/ml ou 104 cópias/ml |
TDF + 3TC + ITRNN ou IP/r |
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HBe Ag não reagente e HBV-DNA < 2.000 UI/ml ou 104 cópias/ml |
Monitoramento com HBV-DNA |
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1 Indicado caso paciente não tolere ou seja Não Respondedor (não apresente soroconversão) ao uso INFα
ATENÇÃO: Pacientes respondedores ao INFa que futuramente necessitarem de iniciar TARV, deverão utilizar a associação de TDF+3TC+EFV ou IP/r.
c.1.2. Coinfectados VHB e HIV com contagem de linfócitos T-CD4+ entre 350 e 500 céls/mm3.
Critérios para indicar o tratamento
a) Pacientes com HBV-DNA > 2.000 UI/ml ou 104 cópias/ml, independente do HBeAg, o tratamento deve ser iniciado e o paciente monitorizado para avaliar a soroconversão de HBeAg reagente para Anti-HBe e a redução de HBV-DNA < 104 cópias/ml no HBeAg reagente e não reagente.
b) Pacientes com HBV-DNA < 2.000 UI/ml ou 104 cópias/ml, independente HBeAg, o tratamento não está indicado; deve-se monitorizar a carga viral a cada seis meses ou anualmente com HBV-DNA.
Escolha do tratamento
Caso exista indicação de tratamento nesta faixa de contagem de linfócitos T-CD4+ e HBV-DNA > 2.000 UI/ml ou 104 cópias/ml, duas condutas podem ser adotadas:
a) Interferon-alfa considerando que deve-se evitar seu uso em pacientes com cirrose hepática. Esta recomendação pode ser adotada particularmente em pacientes com contagem LT-CD4+ próxima a 500 células/mm3 ou;
b) Iniciar TARV incluindo TDF e 3TC como dupla de nucleosídeos, associados, preferencialmente ao efavirenz, ou a Inibidores da Protease potencializados com ritonavir (IP/r) conforme as Recomendações para Terapia Antirretroviral em Adultos Infectados pelo HIV 2008. Recomenda-se optar pelo início mais precoce de TARV, particularmente quando a contagem linfócitos T-CD4+ estiver próxima a 350 células/mm3 e/ou em pacientes que desenvolveram cirrose hepática.
TABELA 2 – Tratamento em pacientes assintomáticos co-infectados HIV/HBV e contagem linfócitos T-CD4+ entre 350 e 500 céls/mm3
Assintomático com LTCD4+ entre 350 e 500 céls/mm3 |
1ª escolha |
Comentários |
HBV-DNA > 2.000 UI/ml ou 104 cópias/ml |
INFα ou TDF + 3TC + ITRNN ou IP/r |
Caso contagem de LT-CD4+ próxima a 500 células/mm3 pode-se optar por INFα |
HBV-DNA > 2.000 UI/ml ou 104 cópias/ml e presença de cirrose hepática |
TDF + 3TC + ITRNN ou IP/r |
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HBV-DNA < 2.000 UI/ml ou 104 cópias/ml |
Monitorar HBV-DNA |
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c.1.3. Coinfectados VHB e HIV com contagem de linfócitos T-CD4+ < 350 céls/mm3.
Em pacientes com contagem de linfócitos T-CD4+ CD4 < 350 céls/mm3 e virgens de tratamento antirretroviral, deve ser iniciado TARV incluindo TDF e 3TC como dupla de ITRN associados preferencialmente ao efavirenz.
Caso o paciente já esteja utilizando TARV, esta deve ser adequada com substituição ou inclusão da dupla de nucleosídeos por TDF + 3TC ao esquema, abordagem que deve ser individualizada conforme o histórico de tratamento do paciente, o status virológico e resultados dos testes de genotipagem, para o HIV, caso disponíveis. Em pacientes já em uso de TARV, a definição do esquema deve ser realizado em conjunto com médico experiente no manejo antirretroviral ou médico de referência em genotipagem.
TABELA 3 – Tratamento em pacientes assintomáticos co-infectados HIV/HBV e contagem linfócitos T-CD4+ < 350 células/mm3
Status clínico-imunológico |
Tratamento de escolha |
Comentários |
Assintomático com LT-CD4+ < 350 céls/mm3virgem de TARV |
TDF + 3TC + ITRNN ou IP/r |
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Assintomático com LT-CD4+ < 350 céls/mm3 experimentado em TARV |
Substituição ou inclusão da dupla de nucleosídeos por TDF + 3TC no esquema antirretroviral |
Em pacientes experimentados em TARV, a definição do esquema deve ser realizado em conjunto com médico experiente no manejo antirretroviral ou médico de referência em genotipagem |
Via de regra, na presença de coinfecção HBV/HIV, a terapia anti-retroviral deve ser estruturada tendo o tenofovir (TDF) associado à lamivudina (3TC) como dupla de nucleosídeos (ITRN), estando ou não indicado tratar o HBV. |
d) Esquema terapêutico e tempo de duração e monitoramento da coinfecção VHB/HIV.
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interferon-alfa 2a ou 2b 5 MU diários ou 10 MU em dias alternados por 16 a 24 semanas;
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associação de 3TC 150 mg de 12 em 12 horas ou 300 mg dose única ao dia (no monoinfectado a dosagem é de 100mg ao dia) e TDF 300 mg, 1 vez ao dia.
Coinfecção VHB e vírus da hepatite C
Infecção aguda pelo VHB e VHC pode antecipar o surgimento da antigenemia do HBsAg e diminuir o pico da concentração das aminotransferases, comparado com hepatite aguda pelo VHB isolado. Entretanto, infecção aguda pelo VHC concomitante ao VHB ou do VHC em portador crônico do VHB pode aumentar o risco de hepatite fulminante. Estes pacientes também têm maior risco de desenvolver cirrose e CHC comparados com os infectados por apenas um vírus .
Não existem dados conclusivos na literatura que respaldem uma conduta terapêutica de consenso, todavia, o racional para pacientes VHC/HBsAg reagente, é recomendar a determinação do status HBeAg. Caso HBeAg reagente, o tratamento para o VHC deve ser o interferon peguilado associado à ribavirina, independente do genótipo do VHC por 48 semanas.
Deve-se proceder ao tratamento da virose predominante, que geralmente é o vírus C, dada a maior adequação deste esquema ao tratamento das duas viroses em relação ao conforto posológico e menor incidência de efeitos colaterais. Acresce-se a isso o fato de que pacientes infectado pelo VHC apresentam maiores graus de eventos adversos a altas doses do interferon-alfa, normalmente, utilizados para o tratamento do VHB.
Já nos pacientes HBeAg não reagente, mas com carga viral do HBV-DNA > 10.000 cópias/ml (ou > 2000 UI/ml) pode ser considerada a adição de um nucleosideo análogo (lamivudina ou entecavir ) ao interferon peguilado + ribavirina. Mesmo finalizando as 48 semanas de tratamento com interferon peguilado + ribavirina, o nucleosídeo análogo deverá ser mantido conforme as recomendações para tratamento da hepatite viral crônica B HBeAg não reagente.
Materiais didáticos com maiores informações podem ser encontrados nos sites abaixo:
http://portal.saude.gov.br/portal/saude/Gestor/visualizar_texto.cfm?idtxt=27150
http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/hepatites_abcde.pdf
http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/brasil_atento_3web.pdf
http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/material_instrucional_hepatites.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/svs/2008/prt0094_10_10_2008.html
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